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O cultivo da sabedoria interior

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Resumo: de acordo com o psicanalista alemão Erich Fromm (1900-1980), a espiritualidade deve ser entendida como uma atitude que visa à ruptura do egocentrismo, a um sair de si mesmo pautado pelo amor à vida, imbuído de sentido existencial e defensor da valorização da diversidade humana. No que tange à educação, Fromm pontua que o ato de ensinar é capaz de despertar as potencialidades do ser do educando, potencialidades essas que podem estar adormecidas em seu interior e que necessitam de alguns estímulos para que sejam despertadas. Neste viés, este artigo objetiva explicitar e analisar aspectos de interface entre a espiritualidade humanista e a educação a partir dos escritos de Erich Fromm, salientando que o processo educacional também deve abarcar a dimensão espiritual do indivíduo. Como recurso metodológico, propomos realizar uma análise teórico-bibliográfica das seguintes obras: Análise do homemO coração do homemRever Freud e Ter ou ser?, todas de autoria de Erich Fromm, além de recorrer a trabalhos de comentadores do psicanalista humanista. Por fim, pretendemos evidenciar que o cultivo da sabedoria interior é um aspecto essencial para o aperfeiçoamento do ser do educando, à medida que promove o despertar da consciência biófila.

Palavras-chave: Espiritualidade humanista; Educação; Amor à vida; Erich Fromm.

Fonte: PLURA, Revista De Estudos De Religião, 13(1), 87–116. DOI: https://doi.org/10.29327/256659.13.1-6. Recuperado de https://revistaplura.emnuvens.com.br/plura/article/view/2145. Licença: Plura é licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

 

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O cultivo da sabedoria interior: o encontro entre a espiritualidade humanista e a educação nos escritos de Erich Fromm
Denis Cotta* e Fabiano Victor Campos**

 

*Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais
**Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

 

Introdução (1)

Para Erich Fromm (1981, p. 102-103), a educação, enquanto um aprendizado que propicia o desenvolvimento das habilidades e aptidões cognitivas do indivíduo, é essencial para a formação intelectual do indivíduo. Todavia, para o psicanalista alemão, a educação também deve se atentar ao aprimoramento emocional e espiritual dos discentes. Ela exige que o educando seja compreendido em sua integralidade humana, ou seja, na sua dimensão corpórea, psicossocial e espiritual. Uma educação humanística consoante ao pensamento frommiano, por fundamentar-se em uma visão holística do indivíduo, também estimula o desenvolvimento das potencialidades espirituais do ser do educando. Segundo Fromm (2013, p. 38), é preciso entender que, por se tratar de uma necessidade existencial, a dimensão espiritual não pode ser negligenciada. Pelo contrário, ela deve ser contemplada como uma esfera indissociável da vida humana.

Neste viés, uma análise atenta e minuciosa dos escritos de Fromm nos leva ao entendimento de que uma das formas para o cultivo dessa dimensão pode se dar por meio da aplicabilidade da ciência da “arte de viver” (FROMM, 1974, p. 25- 26) à dimensão espiritual ou à “existência espiritual”, segundo a terminologia adotada em Psicanálise da sociedade contemporânea (FROMM, 1970, p. 171). A interface entre a educação e o que neste trabalho propomos nomear de “espiritualidade humanista” fundamenta-se, pois, na pressuposição de que a existência não deve ser entendida como uma passagem solitária e egocêntrica pela terra, mas como uma oportunidade de fazer a diferença na vida do outro e de alcançar a harmonia consigo mesmo e com o mundo.

O objetivo deste estudo consiste, pois, em mostrar que é possível e pertinente pensar a ideia de uma “espiritualidade humanista”, ainda que o próprio Fromm não tenha forjado essa expressão, e associá-la com a temática de uma proposta humanística da educação. Ao procurarmos relacionar a ideia de uma espiritualidade humanista ao contexto educacional, entendemos que tal movimento possa se configurar em um instrumento de promoção e de valorização da diversidade cultural, que abrange os aspectos religiosos, étnicos e de gênero no contexto escolar, em seus variados níveis de formação. Daí a razão de ser da empreitada teórica enfrentada neste trabalho.

Para conduzir este empreendimento teórico a bom termo, o presente texto pretende realizar uma análise cuidadosa, porém sem a pretensão de ser exaustiva, das seguintes obras frommianas Análise do homem, O coração do homem, Rever Freud e Ter ou ser?, perscrutando nela se desenvolvendo a partir delas os conceitos fundamentais capazes de sustentar a tese defendida neste trabalho. O método a guiar o nosso percurso será, pois, o bibliográfico, recorrendo, de modo precípuo e primacial, às fontes da própria teoria de Fromm, a saber, os seus escritos publicados, e, de modo secundário, a comentários de intérpretes e  pesquisadores do pensamento frommiano.

Com vistas a alcançar o fim almejado, este trabalho percorrerá o seguinte itinerário de análise: o primeiro tópico apresentará a compreensão da condição da existência humana segundo a perspectiva da psicanálise humanista de Erich Fromm, identificando e explicando o conceito de necessidades existenciais. O segundo tópico esclarecerá a noção de integralidade do indivíduo segundo o viés psicanalítico humanista frommiano, tecendo uma análise sucinta sobre as  dimensões constitutivas do ser humano (corpórea, psicossocial e espiritual), e suas implicações no âmbito da relação estabelecida entre o sujeito e o mundo que o rodeia. Em seguida, o terceiro tópico se debruçará sobre a concepção do processo educacional humanista à luz da teoria frommiana, que visa despertar as potencialidades produtivas do ser do educando. O tópico seguinte buscará sistematizar o conceito de espiritualidade humanista a partir do pensamento de Fromm, apontando as influências religiosas que impactaram a sua compreensão sobre a dimensão espiritual humana. Por fim, o quinto tópico se destinará à  análise da interface entre a educação e a espiritualidade humanista, interação essa que possibilita o cultivo da sabedoria interior.

A compreensão da condição da existência humana na psicanálise humanista: o humano como um ser de carência

A noção de “natureza humana” constitui um dos conceitos-chave para se compreender a obra de Erich Fromm. Mas o conceito frommiano de “natureza humana” não deve ser entendido como uma essência metafísica dada a priori nem como uma instância meramente derivada de um contexto social e cultural, de modo que a singularidade do existir propriamente humano não se exaure nem numa universalidade abstrata, pairando acima dos indivíduos singulares e neles se manifestando nem na sua historicidade ou em determinações socioculturais. Para o autor, não há características que definam o ser do homem antes que ele comece a existir como tal, isto é, na singularidade da sua situação humana. A própria existência é, assim, o dado primordial donde se deve partir para conceber uma “natureza humana”. Trata-se de partir, portanto, de um significado existencial que deriva, em última instância, do próprio surgimento histórico do homem enquanto ser de razão, isto é, de liberdade.

Fromm (1970, p. 36) entende ter havido um momento na história da evolução animal em que ocorre um “acontecimento singular”, de modo que “a ação deixa de ser essencialmente determinada pelo instinto” e “a adaptação da Natureza perde o seu caráter coercitivo”. Neste instante em que “o animal transcende a Natureza”, bem como “o papel puramente passivo da criatura”, tornando-se, biologicamente, “o animal mais desamparado” é que, segundo o autor, “nasce o homem”, isto é, dá-se o advento singular da “situação humana” (FROMM, 1970, p. 36, 41). É neste momento em que ocorre uma separação primordial com a ordem da natureza, no que tange ao determinismo de suas leis, é que o animal humano se eleva da sua forma animal de existência, ainda indistinta à dos demais animais, a uma existência especificamente humana. Neste momento, rompem-se parcialmente os vínculos humanos imediatos com a natureza, de modo que o homem deixa de ser um animal puramente instintivo e começa a dar os seus primeiros passos na edificação de um ethos enquanto habitat ou morada propriamente humana.

Neste instante, por um lado, o homem torna-se um animal racional e ambíguo, em um processo de individuação e liberdade crescentes. Por outro lado, ele perde a segurança e a harmonia que eram inerentes à sua condição de pertença unitária ao reino da natureza. A partir daí começa a “história social do homem”, construída por todos os seres humanos que já se encontravam nessa condição a um só tempo ambígua e dicotômica inerente à singularidade da situação existencial propriamente humana (FROMM, 1983, p. 29). A face ambígua deste acontecimento reside no fato de o homem encontrar-se livre para agir, mas permanecer acorrentado e nostálgico quanto à sua condição paradisíaca de ligação com a própria ordem natural.

A emergência “de uma forma animal de existência para outra mais humana, do confinamento para a liberdade” (FROMM, 1970, p. 40), é concebida, portanto, como tendo o seu início no ponto do processo evolutivo em que se observa uma inflexão quanto à adaptação instintiva, reduzida a um mínimo, a um só tempo em que o homem é expulso de seu “paraíso” natural, por obra da razão, e condenado à transcendência. Neste processo de rompimento com o seu vínculo primário de união original com a natureza, o ser humano adquire, aos olhos de Fromm, algumas características que passam a diferenciá-lo dos outros animais: a diminuição da regulamentação instintiva do processo de adaptação do mundo que o cerca, o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, da memória e do raciocínio, bem como a de imaginar o futuro e à relativa ao uso da linguagem. Tais características adquiridas pelo homem constituem a própria estrutura da razão e exprimem, no seu conjunto, a condição propriamente humana de existência, possibilitando-nos caracterizar a essa existência de forma objetiva. Elevando-o à consciência de si mesmo, a razão e a imaginação levam, pois, o ser humano a romper com a “harmonia” que caracterizava a sua existência ou o seu ser, cujos contornos até então eram definidos pela natureza e pela animalidade (FROMM, 1974, p. 43).

A partir deste momento, segundo Fromm, por um lado o homem ainda se encontra parcialmente arraigado à ordem natural, apresentando uma dimensão biológica, mas, por outro, ele é inexoravelmente impelido a transcendê-la, a superá-la, exatamente por manifestar uma face racional em seu modo próprio de ser ou existir. E é por essa razão que a própria existência humana é definida em termos de dicotomia, uma vez que ela se encontra distendida entre dois polos opostos, caracterizados pelas expressões “liberdade de” e “liberdade para”. O homem é, por sua própria condição existencial, marcado pela liberdade,  orquanto ser de razão.

A liberdade, por sua vez, define-se de modo dialético, apresentando tanto uma face negativa, já que pressupõe uma natureza da qual tenta se desvencilhar, quanto uma face positiva, haja vista o dinamismo que lhe é inerente apontar inexoravelmente na direção de uma finalidade outra, distinta daquela a que paradoxalmente se mantém ligada. Em outras palavras, ao passo que a primeira é definida por sua negação para com a determinação instintiva das ações ainda arraigadas ao plano biológico, já a segunda é definida pela possibilidade de o homem agir por si próprio, de modo emancipado, por meio da sua própria individualidade e das habilidades humanas que passou a desenvolver e a manifestar.

A racionalidade humana revela-se, assim, tanto uma “benção” quanto uma “maldição” para o indivíduo (FROMM, 1974, p. 44). É uma “benção” no sentido das inúmeras possibilidades criativas e produtivas a que pode nos conduzir, como as artes, as ciências, dentre muitas outras. Por outro lado, é também uma “maldição”, por desencadear, no ser humano, um estado de desarmonia com a natureza, no sentido de que a sua existência, embora ainda ligada ao reino animal, não mais se encerra nele, isto é, no domínio dos instintos e na mera submissão às leis naturais e biológicas. Pela razão, ele é habitado por um dinamismo que o impele, inexoravelmente, a transcender a própria natureza, de modo que a sua existência passa a ser, para ele, um problema que a ele é dado resolver e do qual não pode eludir. O ser humano revela-se, assim, como um ser cindido, esgarçado entre dois extremos que o atraem para direções opostas, uma regressiva e uma outra, progressiva. Nos termos frommianos,

a existência humana, nisto, difere da de todos os outros organismos; acha-se em um estado de desequilíbrio constante e inevitável. A vida do homem não pode “ser vivida” repetindo o padrão de sua espécie: ele tem de viver. O homem é o único animal que pode aborrecer-se, que pode ficar descontente, que pode sentir-se expulso do paraíso. O homem é o único animal para quem a sua própria existência é um problema que ele tem que solucionar e do qual não pode fugir (FROMM, 1974, p. 44) [Grifos do autor].

No entanto, para Fromm, o ser humano sente medo em relação à liberdade na sua feição positiva, isto é, em relação ao anelo pela transcendência. Isso porque ele se encontra “arrancado de uma situação que era definida, tão definida quanto os instintos, e lançado em outra situação que é indefinida, incerta e aberta”, de modo que “cada passo nessa nova existência humana é temeroso” (FROMM, 1970, p. 38-39). Ele busca, assim, as mais variadas formas de novamente adentrar aquele “paraíso” edênico da natureza, por cujas portas fora constrangido a atravessar, não podendo mais aí, no seu interior, abrigar-se de modo definitivo. “Impulsionado para construir um lar humano no qual possa substituir o lar natural perdido” (SCHAAR, 1965, p. 54), o homem também experiência a nostalgia em relação ao ponto originário, em que se mantinha em unidade com a natureza.

Desta sorte, Fromm entende que jamais compreenderemos o ser humano se tentarmos reduzir as suas paixões, bem como os seus esforços, a meros impulsos instintivos e biológicos(2). Por outro lado, se o abordarmos como um mero produto da vida em sociedade, também o perdermos. Daí a chave hermenêutica com a qual a psicanálise humanista de Fromm pretende operar: “a natureza humana nunca pode ser observada como tal, mas somente através de suas  manifestações específicas em situações específicas” (FROMM, 1974, p. 30-31). Assim, o conhecimento a respeito da natureza humana deve partir de uma compreensão acerca da singularidade da situação existencial do homem em face dos demais animais, o que implica em considerar as dicotomias existenciais vividas pelo ser humano.

Em outros termos, no contexto de pensamento frommiano, a compreensão da natureza humana decorre da análise da singularidade da situação humana, que se mostra, aos olhos de Fromm, como intrinsecamente dicotômica. Ora, a própria noção de “dicotomia” é postulada como uma sinonímia da “existência” propriamente humana (FROMM, 1974, p. 44-45). Essa contradição inerente à situação existencial humana é o que possibilita, aos olhos do autor, a superação do dilema entre a ideia de uma natureza ou essência humana, de um lado, e a de uma constante mudança, por outro (FROMM, 1981, p. 128).

As dicotomias existenciais constituem, neste sentido, a condição existencial humana básica, de modo que elas se revelam, aos olhos de Fromm (1970, p. 38), como “a fonte de todas as forças psíquicas motivadores do homem, de todas as suas paixões, seus afetos e suas ansiedades”, mediante os quais o ser humana busca transcender a sua condição originária, a um só tempo natural e animal. “Todas as paixões e esforços do homem são tentativas para encontrar uma resposta para a sua existência ou, também podemos dizer assim, são tentativas para evitar a loucura” (FROMM, 1970, p. 41).

O conjunto dessas dicotomias, marcado pelo sentimento de desamparo provocado pela ruptura da harmonia entre o humano e a natureza mediante a emergência da razão, é que constitui o núcleo conceitual em torno do qual Fromm considera ser possível aproximar os indivíduos em torno da categoria de “natureza humana”, não obstante a singularidade de cada um. De fato, cabe aclarar que a perspectiva frommiana não nega as múltiplas formas de ser no mundo. Pelo contrário, a abordagem psicanalítica humanista percebe a diversidade humana como um elemento de profunda beleza na existência, à medida mesma que cada indivíduo encarna, na sua própria singularidade, a própria situação existencial humana como um todo, isto é, o que ela apresenta de comum e próprio a todos os indivíduos, que é o fato de ser atravessada por dicotomias.

Um indivíduo representa a raça humana: ele é um exemplo específico da espécie humana. Ele é “ele” e é “todos”; ele é um indivíduo com as suas  peculiaridades e, nesse sentido, sem igual, mas ao mesmo tempo é representativo de todas as características da raça humana (FROMM, 1974, p. 42).

As dicotomias existenciais acabam implicando, pois, ao que, na concepção de Fromm, objetivamente se impõem como necessidades a serem correspondidas pelo indivíduo (FROMM, 1970, p. 34). Elas dão origem a necessidades de cariz existencial, que requerem ser satisfeitas, a fim de que o homem encontre soluções para as contradições existenciais que o afligem e “permaneça sadio e se desenvolva”, de modo que “qualquer disposição social que deixe de satisfazer a essas  necessidades mutila o homem” (SCHAAR, 1965, p. 48).Ainda que a solução encontrada implique em uma tentativa de recuo à situação originária, marcada pela plena harmonia com a natureza, ela é impelida pela necessidade de encontrar uma resposta, de modo que a diferença entre as  soluções encontradas, às quais Fromm nomeia de “produtivas” ou “improdutivas”, deve-se à correspondência de cada qual em relação às necessidades  geradas pela própria situação existencial humana. Assim, cada uma das cinco necessidades existenciais dirigese a um aspecto específico da situação existencial humana:

  • A necessidade de relacionamento propicia ao sujeito duas formas básicas de interação com o outro: o modo produtivo, sendo constituído de relações pautadas pelo amor; e o modo destrutivo: que se configura pelas relações interpessoais marcadas pela agressividade ou pela indiferença.
  • A necessidade de transcendência refere-se à capacidade de autotranscendência do sujeito, que ocorre por intermédio de atos de criação (preservação e cuidado com a vida) ou de destruição do outro e, consequentemente, de si mesmo.
  • A necessidade de enraizamento também se apresenta sob duas formas: em seu viés negativo caracteriza-se pela fuga da liberdade (negação em assumir as próprias responsabilidades); em sua forma produtiva ocorre a emancipação libertadora, que conduz o sujeito à dar à luz a si mesmo.
  • A necessidade de identidade está associada à construção do laço social, um desejo de pertencimento e união a um grupo, que pode ser um partido político, uma tradição religiosa, dentre outros. A necessidade de pertencimento também pode se configurar em patológica ou saudável, variando de acordo com a personalidade de cada pessoa.
  • A necessidade de um quadro de orientação e de um objeto de devoção, corresponde a uma bússola ética capaz de conferir sentido à vida do sujeito que por ela se orienta (FROMM, 2013, p. 23). Esta necessidade está interligada a estruturas de orientações (tradições religiosas teístas e não teístas, sistemas filosóficos, vertentes místicas ou espirituais) que auxiliam o sujeito em seu processo de aprimoramento espiritual e em sua busca pelo significado da vida.

Vale mencionar que a ideia de situação existencial humana, conforme o pensamento frommiano, compreende o indivíduo a partir de suas potencialidades e fragilidades e, sobretudo, o seu desejo de restabelecer a harmonia com o mundo. O que de fato irá diferenciar o caminho percorrido por cada pessoa, na sua busca pelo equilíbrio interior, estará associado ao uso que ela (a pessoa) fará da sua própria energia psíquica, podendo essa ser criadora ou destruidora (FROMM, 2013, p. 41). Para a perspectiva psicanalítica humanista frommiana,o modo como o indivíduo interage com o mundo revela o estado da sua alma. Por esta razão, é de suma importância compreender a noção de totalidade humana, integralidade essa que se revela indissociável à forma com que o sujeito se relaciona com o mundo que o rodeia, tema que será tratado no tópico a seguir.

 

Homo integralis: a totalidade humana no paradigma psicanalítico humanista frommiano

Segundo Erich Fromm, para que possamos ter um entendimento satisfatório do ser humano é preciso concebê-lo em sua totalidade. Nessa ideia é que se fundamenta o que, neste trabalho, é nomeado de paradigma integral da psicanálise humanista. Em termos gerais, o paradigma integral da psicanálise humanista parte do pressuposto de que o ser humano deve ser compreendido sob um prisma holístico, isto é, na sua dimensão corpórea, psicossocial e espiritual (FROMM, 1974; 2013). Neste sentido, para uma melhor compreensão sobre a ideia de integralidade no viés frommiano, faz-se necessário apresentar, mesmo que de modo breve, as características particulares de cada uma dessas esferas humanas.

A dimensão corpórea, na perspectiva psicanalítica humanista de Fromm (2013, p. 68-71), é mais do que uma estrutura física. Ela representa todo um modo de ser no mundo. A personalidade e o modo de vida de uma pessoa podem, inclusive, modificar a sua estrutura corporal, aspecto esse que poderá torná-la mais atraente e desejada, caso a pessoa queira se adequar ao padrão de beleza estabelecido socialmente. Contudo, um dos principais elementos da análise frommiana sobre a esfera corporal de um indivíduo está relacionado ao seu estado de saúde, ou seja, o corpo do sujeito pode apresentar sinais externos de que alguma coisa não está bem em seu interior. O inconsciente pode mandar mensagens, para o próprio indivíduo, por meio de sintomas patológicos corporais. Em termos gerais, esses sintomas que se externalizam na dimensão corpórea, mas que são oriundos de conflitos psíquicos, configuram-se nas chamadas  doenças psicossomáticas (3) (FROMM, 1992b, p. 19).

Em sua obra Psicopatologia humanista e existencial, o psicanalista frommiano Salézio Plácido Pereira explicita que, em grande medida, – com exceção dos casos de esquizofrenia e de transtornos mentais de cunho genético–, os sintomas psicossomáticos são originados de problemas psicológicos não solucionados, isto é, que permanecem alijados da percepção consciente do indivíduo. Segundo o autor em foco:

A natureza da conversão sintomática é a expressão do ato sintomático de alguma dificuldade, que a consciência não quer enxergar. Esta fuga para a doença é a substituição da dor em lugar do prazer. Quando o prazer de viver, de amar, de receber e dar afeto não se confirma na sua relação de convivência, a doença pode ser o substituto deste prazer (PEREIRA, 2009, p. 119).

O fragmento supracitado nos adverte sobre a indissociabilidade entre a dimensão psíquica e a corpórea. Em outra terminologia, o nosso estado mental repercutirá em saúde ou em adoecimento físico. Isso significa que, quando a mente se encontra em equilíbrio, o organismo torna-se mais saudável e vigoroso para a realização das tarefas do cotidiano; caso contrário, o indivíduo estará vulnerável a ser acometido por patologias – neuroses –, que o impedirão de viver de modo produtivo. De acordo com Fromm (2018, p. 181-182), para tratarmos da saúde da dimensão corpórea, é necessário que nos tornemos realmente  conscientes de nossos repertórios gestuais (que expressam elementos inconscientes), de nossas condutas diante da vida e de nosso estado mental como um  todo. O autor em foco também ressalta que a prática da yoga e do Tai chi chuan(4) podem auxiliar o sujeito no processo de harmonia com a sua dimensão corpórea (FROMM, 1992b, p. 81).

A dimensão psicossocial está interligada ao inconsciente e também às influências sociais que integram a personalidade total da pessoa. Segundo Fromm (2013, p. 23), o sujeito é um animal social, um ente gregário que necessita se relacionar com os outros. Para o autor em questão, essa perspectiva está associada à constituição biológica do sujeito, ou seja,

por sua constituição física, ele é obrigado a viver em grupo e, portanto, deve cooperar com os outros, ao menos no que diz respeito às necessidades do trabalho e da defesa. A condição básica para tal cooperação é que ele esteja são de espírito. E para manter sua sanidade mental – isto é, para sobreviver mentalmente (e, por tabela, fisicamente) – o homem deve necessariamente estar ligado aos outros (FROMM, 2013, p. 23).

Conforme o que foi explicado acima e no trecho supracitado, pode-se inferir que o indivíduo é um ser de conexão. Para Fromm (1974, p. 51-52), é por  intermédio dessa conexão com o mundo exterior que a personalidade do indivíduo vai sendo formada desde a sua tenra idade. Por personalidade Fromm (1974, p. 52) compreende “a totalidade das qualidades psíquicas herdadas e adquiridas que caracterizam um indivíduo e o tornam original”. De modo geral, a personalidade de uma pessoa é formada pelo seu temperamento (carga genética) e por seu caráter.

É possível identificar duas definições de caráter em meio às obras frommianas, uma no apêndice de O medo à liberdade e a outra, em Análise do homem. Na primeira, o autor afirma contundente que o caráter “é a forma específica por que a energia humana é modelada pela adaptação dinâmica das necessidades humanas ao estilo de vida particular de uma dada sociedade” (Fromm, 1983, p. 220). Já a segunda, que aprofunda a primeira indicando duas categorias de relacionamento fundamentais para a constituição do caráter, sublinha que este “pode ser definido como a forma (relativamente permanente) pela qual a energia humana é canalizada no processo de assimilação e socialização” (FROMM, 1974, p. 58).

Ao passo que o temperamento diz respeito ao modo e à intensidade da reação típica de uma pessoa às experiências, sendo constitutivo da sua natureza e, por isso mesmo, imutável, o caráter é composto a partir dos relacionamentos e das experiências significativas para a constituição psíquica da pessoa, sobretudo as da idade infantil. Essas experiências estruturam-se e sistematizam-se sob a forma do caráter, determinando padrões, relativamente estáveis, de pensamento, de comportamento e de sentimento (FROMM, 1974, p. 53). Assim, pelo intermédio do processo de assimilação e de incorporação de elementos sociais (valores, regras, padrões culturais)(5), a pessoa irá desenvolver uma orientação que determinará a sua forma de se relacionar com o mundo.

Segundo Fromm (1981, p. 48), há duas orientações básicas que exercem uma grande influência sobre a psique do indivíduo: a biófila,(6) pautada no amor à vida, e a necrófila, regulada por pensamentos ou ações de natureza destrutiva. O psicanalista alemão também adverte que ambas as orientações estão presentes na psique de uma pessoa, sendo uma a dominante, que determinará a conduta do sujeito diante da vida (FROMM, 1981, p. 51). De maneira sintética, a orientação biófila é caracterizada pela reverência à vida e é a manifestação exterior da consciência madura do indivíduo. Nos termos do pai da psicanálise humanista,

a pessoa que ama a vida completamente é atraída pelo processo da vida e do crescimento em todas as esferas. Prefere construir a conservar. É capaz de maravilhar-se, e prefere ver algo novo à segurança de encontrar confirmação para o velho. Ama a aventura de viver mais do que a certeza (FROMM, 1981, p.  50).

As considerações expressas pelo psicanalista alemão nos remetem a um modo específico de estar no mundo, característico da orientação biófila. De acordo com Fromm (1981, p. 51), essa maneira de ver e de interagir com o mundo reverbera em quadros mais satisfatórios de saúde e de bem-estar para o sujeito, além de propiciar vínculos mais estáveis e produtivos com as outras pessoas. De modo contrário, a orientação necrófila, também chamada de orientação destrutiva, é caracterizada pelo amor à morte. Essa tendência manifesta grande fascínio pela agressividade e violência, além de se mostrar indiferente ao  sofrimento das outras pessoas. Além disso, o modo de relacionamento do indivíduo necrófilo com um objeto (seja ele uma flor ou uma pessoa reificada no seu ser) sempre será baseado pela posse, de modo que “[…] uma ameaça às suas posses é uma ameaça a ele mesmo, se perder a posse, perderá contato com o mundo” (FROMM, 1981, p. 44).

Como se pode compreender, o elo social de uma pessoa é tecido por intermédio de seus atributos intersubjetivos e, sobretudo, pela sua personalidade. Dito de outra forma, o indivíduo pode construir vínculos saudáveis, nutridos pelo respeito e amor e pela admiração à outra pessoa, ou pautar seus relacionamentos em uma força destrutiva e caracterizada pela posse (BRAUNE, 2011, p. 5).

Por fim, nos resta tratar da dimensão espiritual (7), esfera antropológica caracterizada pela busca do sentido da vida, pela transcendência (no sentido de ir além de si mesmo, rompendo com a postura egocêntrica), pelo cultivo da existência autêntica e pela vivência da religiosidade e da espiritualidade (religiosa ou não). Como nos esclarece Fromm (2013, p. 37-38), a esfera espiritual vincula-se à necessidade existencial de um quadro de orientação e de um objeto de devoção, por estar relacionada à busca de um sentido para a vida.

Em sua obra conjunta com Daisetsu Teitaro Suzuki (1870-1966) e Richard de Martino, intitulada Psicanálise e zen budismo, Erich Fromm pontua que a dimensão espiritual do ser humano deve ser contemplada pelos estudos da psicanálise, mais especificamente ainda no que concerne à crise espiritual contemporânea, que conduz a uma indiferença à vida (FROMM, 1976, p. 92-93). Segundo Fromm (1976, p. 94), uma das principais causas de adoecimento do sujeito contemporâneo refere-se ao estado de indiferença à vida. Para o autor em foco, o sentimento de indiferença pela existência, presente em algumas pessoas, pode acabar por instaurar a paralisação das suas potencialidades produtivas. Essa paralização, por sua vez, pode conduzir o sujeito a um processo patológico chamado de síndrome de deterioração (FROMM, 1981, p. 126-127).

De acordo com o pensamento frommiano, a síndrome de deterioração começa quando a pessoa não consegue tratar de modo produtivo as suas questões inconscientes, como por exemplo: as paixões irracionais, os traumas, as neuroses, dentre outras questões de sofrimento mental (FROMM, 1981, p. 23-24). Em outras palavras, quando o sujeito não realiza o processo terapêutico de trazer ao consciente os aspectos do inconsciente, ele pode ser acometido por algum tipo de neurose (em casos mais severos, pode instaurar-se um transtorno mental), fato que acaba por privá-lo de uma existência saudável e produtiva (FROMM, 2013). Na visão de Fromm (1987, p. 486-487), o fracasso no ato de viver produtivamente pode levar a pessoa a formular pensamentos destrutivos e colocá-los em ação posteriormente. A indiferença à vida é um elemento que integra o espectro da destrutividade. Trata-se, segundo o autor, de uma faceta do mal, e não da neutralidade. Um dos principais elementos que caracterizam esse estado de indiferença é a falta de valorização da vida de si mesmo e do outro, o que pode levar o sujeito a um nível elevado de destrutividade, a saber, o autoextermínio (FROMM, 1983, p. 146).

Neste sentido, vale destacar os altos índices de suicídio divulgados em 2019 pela World Health Organization – conhecida no Brasil como Organização Mundial de Saúde (OMS)(8) –, em que é possível perceber dados alarmantes a respeito do sofrimento do sujeito contemporâneo, sofrimento esse que, em certa medida, também é nutrido pelas promessas (e mazelas) oriundas da sociedade capitalista. A sociedade da aquisição realiza, por meio do marketing, por exemplo, grandes promessas a respeito de uma felicidade que pode ser alcançada com o mínimo esforço e sem a dedicação do indivíduo. Contudo, as promessas realizadas pela indústria do marketing mostram-se ineficazes, pois não são capazes de oferecer a felicidade genuína. Na perspectiva frommiana, a felicidade – enquanto um estado de nossa personalidade total – é compreendida como:

[…] o indício de que o homem encontrou a solução para o problema de sua existência: a realização produtiva de suas potencialidades, e, assim, simultaneamente conseguiu unir-se ao mundo e preservar a integridade do próprio eu. Ao despender produtivamente sua energia, aumenta seus poderes: ele arde sem se consumir (FROMM, 1974, p. 163) [grifo do autor].

A partir das ponderações referentes à integralidade do ser humano discutidas até aqui, o nosso próximo tópico irá apresentar, de modo geral, a visão frommiana sobre a importância do processo educacional para a difusão do amor à vida.

A arte de ensinar: breves considerações frommianas sobre o processo educacional

Segundo Ralph Gniss, comentador do pensamento frommiano, o processo educacional, articulado ao paradigma da psicanálise humanista, nos convida a uma reflexão sobre o ato de ensinar. Na obra intitulada Mudar a educação a partir do pensamento de Erich Fromm, Gniss (2011, p. 11-12) assinala que a educação deve estar amparada em valores humanísticos, com vistas a promover a conscientização dos educandos para uma ética do viver. A ética do viver está  associada à instauração de uma educação inclusiva, que valoriza a diversidade humana em todas as suas esferas, compreendendo a alteridade do outro como digna de respeito e de acolhimento. Segundo Gniss, a perspectiva pedagógica frommiana nos permite detectar

[…] normas intrínsecas a todo o ser humano, derivadas da sua necessidade de crescer, e seguindo estas dicas o ser humano tem grandes chances de levar uma vida realizada, saudável, enfim: mais feliz. Os critérios que Fromm estabeleceu para seu humanismo permitem desvendar muitas orientações, passadas e atuais, como interesseiras, ideológicas, mesquinhas, por não fazerem crescer no amor pela vida tal qual ela é. Seus interesses concentram-se no ter, no ter seguidores, ter poder, influência, fama, bens, etc. – mas não no crescimento em individualidade e socialidade. Não é por acaso que Fromm intitulou sua obra derradeira “Ter ou Ser” para marcar uma contraposição definitiva. Ou queremos ter ou queremos ser, e educamos para o Ter ou para o Ser (GNISS, 2011, p. 11).

O fragmento supracitado aborda um conceito fundamental da psicanálise humanista, os modos Ter e Ser de existência, que se caracterizam por serem duas formas distintas pelas quais o indivíduo se relaciona com o mundo e consigo mesmo. Em termos gerais, o modo Ter é caracterizado pelo egocentrismo, uma conduta que se baseia na posse e no sucesso a todo custo. Em outro âmbito encontra-se o modo Ser de existência, que é caracterizado pela vivência do altruísmo, um modo de estar no mundo que permite ao sujeito aprimorar os seus atributos internos, como a criatividade, a amorosidade, o pensamento crítico, dentre outros.

Segundo Fromm (2014, p. 46-47), esses dois modos distintos de existência impactam o contexto de ensino e de aprendizagem, pois os pensamentos e as ações do indivíduo são regidos pelo Ter ou pelo Ser, dependendo de qual deles é o modo dominante na vida da pessoa. Neste sentido, pode-se dizer que tanto o modo Ter quanto o modo Ser irão repercutir no processo educacional. Isto significa que:

[…] o estudante cuja orientação existencial seja marcada pelo modo Ter terá como princípio norteador a escuta da fala do professor, e a consequente  compreensão das teorias e dos pensamentos oriundos dos autores estudados. Este estudante se torna o que pode se chamar de uma enciclopédia ambulante, sem, no entanto, se apropriar adequadamente dos conteúdos memorizados. […] Já o estudante cuja orientação existencial seja o modo Ser, possui uma outra percepção: ao invés de procurar memorizar as teorias e falas do professor, se mostra um sujeito ativo e crítico (COTTA, 2019, p. 172-173).

Os dois modos singulares de existência podem ser relacionados aos conceitos freirianos de educação bancária e de educação libertadora. Conforme os estudos de Borgheti (2015), Coreicha (2019) e Cotta (2019, 2021), Erich Fromm exerceu uma forte influência no pensamento do educador brasileiro Paulo Freire, aspecto que pode ser visualizado nas obras Educação como prática da liberdade e o best-seller Pedagogia do oprimido.

Essa influência teórica(9) pode ser vista em citações realizadas por Paulo Freire em algumas de suas obras, como é o caso de Pedagogia do oprimido, em que o educador brasileiro se utiliza do conceito de medo da liberdade, conceitochave da obra O medo à liberdade, de autoria de Fromm (1983). Neste sentido, Freire (2020) explicita que o principal impedimento para a ocorrência do processo de conscientização do ser do educando, fundamental para o entendimento dos emaranhados opressivos que permeiam o seu contexto sociocultural, está atrelado ao medo à liberdade. Ao utilizar-se do conceito frommiano, Freire (2020, p. 32) nos adverte que “[…] o medo da liberdade, de que necessariamente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que não existe”. Por esta razão, o processo educacional humanista deve abarcar a estrutura psíquica do indivíduo, se orientada produtivamente, enquanto um instrumento de desalienação da realidade. Assim como Paulo Freire, Erich Fromm entende que a educação é capaz de transformar o ser do educando. Trata-se de uma transformação que se manifesta por intermédio de uma ressignificação produtiva da personalidade. Além disso, de acordo com o paradigma frommiano, o processo educacional deve ser imbuído pelo amor(10), pela fé nas potencialidades do ser do educando e pelo pensamento crítico, que instaura a reflexão psicossocial e espiritual. A reflexão psicossocial está associada à tomada de consciência do próprio ser pelo educando, mediante a sua participação em debates, trabalhos escolares/acadêmicos que se debruçam sobre as problemáticas sociopolíticas e culturais de nosso tempo, como a valorização da diversidade religiosa, a inserção e a práxis das políticas públicas, dentre outros temas.

No que tange à “existência espiritual”, é preciso salientar a sua premissa primordial: o cultivo das belezas interiores (COTTA, 2019, p. 176). Este tipo de reflexão está direcionada ao aprimoramento da alma – compreendida na perspectiva frommiana como o âmago do ser humano –, recinto profundo no qual são nutridos os atributos do amor genuíno, da compaixão, do perdão, da solidariedade, entre outros. Em suma, para Fromm, a educação deve ser um processo indissociável entre a mente e o coração dos educandos e das educandas. Por este fato, a reflexão dual (psicossocial e espiritual) é indispensável para o fortalecimento das capacidades produtivas do indivíduo, independentemente do grau de sua formação intelectual.

De modo geral, a arte de ensinar tem como um de seus pilares centrais o foco na humanização do âmbito educacional, visando aprimorar as relações entre o educador, o educando e os demais profissionais que integram a instituição de ensino. Em outras palavras, enquanto um processo de aprimoramento contínuo, a arte de ensinar é também um ato de coragem, pois impele a pessoa a romper com o ciclo de destrutividade, por intermédio do amor. As análises realizadas acerca da concepção da arte de ensinar conduzem-nos à necessidade de elucidar o que essa arte mesma deve proporcionar ao indivíduo humano e que, neste texto, propomos nomear de espiritualidade humanista.

 

A sistematização do conceito de espiritualidade humanista a partir do pensamento de Erich Fromm

Conforme nos adverte Rainer Funk (1999, p. 157-164), psicanalista e intérprete do pensamento frommiano, a vida de Erich Fromm foi uma jornada de muitos encontros e desencontros. Desde a sua infância e juventude (marcadas pela prática do judaísmo ortodoxo) até a sua morte, a vida de Fromm esteve permeada por valores morais, como a ética, a liberdade e o amor à vida. A partir da análise biográfica e dos escritos de Fromm,é possível identificar as três principais influências religiosas (o hassidismo, o Zen budismo e as três vertentes místicas de feição cristã) que impactaram a cosmovisão do psicanalista alemão e que são imprescindíveis para a sistematização da ideia de espiritualidade humanista.

Segundo Funk (1999, p. 37), no que tange ao contexto moral de Fromm, deve-se ressaltar a influência de uma das correntes místicas presentes no judaísmo, chamada hassidismo. No início da década de 1920, o jovem Fromm estudava na Escola Judaica Livre, localizada em Frankfurt, na Alemanha. Durante esse período, Fromm encontrou-se com o filósofo judeu Martin Buber, que lecionava na mesma Escola. Neste período, Buber já havia publicado obras sobre o movimento hassídico polonês, como os livros As histórias do Rabi Nakhman [1906] e A lenda do Baal Schem [1908](11). Neste contexto, vale elucidar que as contribuições realizadas por Martin Buber a respeito do conhecimento do movimento hassídico seriam comentadas por Fromm em sua obra O Espírito de liberdade. Todavia, apesar da relação de proximidade acadêmica com Buber, o principal influenciador de Fromm no estudo do hassidismo foi o professor talmúdico Salman Baruch Rabinkow. Os estudos da tradição hassídica iniciados com o rabino Rabinkow entre os anos de 1920 a 1925 propiciaram ao jovem Fromm uma releitura mais humanística dos textos sagrados do judaísmo (FUNK, 1999, p. 40-41).

Posteriormente, em meados da década de 1950, Fromm inicia contatos de proximidade com o professor de filosofia budista chamado Daisetz Teitaro Suzuki. O relacionamento de amizade com Suzuki culminou em uma nova e revigorante experiência espiritual para Erich Fromm. De acordo com Funk (1999, p. 132-134), a prática e a filosofia do zen-budismo e a sua relação com a psicanálise humanista instauraram em Fromm a percepção de novos conceitos referentes à dimensão e à possibilidade de aperfeiçoamento do ser humano em sua totalidade.

A terceira grande influência sobre o pensamento frommiano refere-se a três vertentes místicas de feição cristã, sendo elas: o autor  desconhecido da obra intitulada A nuvem do não saber, Mestre Eckhart e Thomas Merton. Nos escritos de cada um desses místicos, o psicanalista alemão identifica valores morais importantes para a vida do sujeito contemporâneo. No âmbito das vertentes místicas de feição cristã, tanto o autor desconhecido da obra A nuvem do não saber (Anônimo do século XIV, 2014) quanto o seu contemporâneo, Mestre Eckhart, são fundamentais, para Fromm, não obstante as suas diferenças teóricas, para a compreensão da liberdade espiritual do ser, uma liberdade radical que se refere até mesmo ao movimento de se tornar livre de Deus, como é expresso de forma radical por Mestre Eckhart(12), sobretudo nos seus sermões de número 52 e 83 (ECKHART, 2006, p. 291; 2008, p. 120).

Segundo Sibélius Cefas Pereira (2014, p. 302, nota 46), Thomas Merton iniciou um contato amistoso com Erich Fromm, que pode ser verificado nas cartas trocadas por ambos no ano de 1954. O contato iniciado por Merton gerou uma amizade genuína com Fromm, que durou até a morte do monge trapista, em 1968(13). Na década de 1960, os diálogos entre Fromm e Merton resultaram na publicação da obra Ofensiva de paz, da qual o monge trapista foi o organizador e Erich Fromm um dos coautores. Uma das questões que merece ser pontuada diz respeito ao interesse comum, tanto da parte de Merton quanto da parte de Fromm, em ler a obra do outro. Assim, na troca de correspondências entre ambos, também ocorre um compartilhamento das experiências obtidas a partir da leitura dessas obras.

A influência de Merton sobre Fromm pode ser analisada na obra O espírito de liberdade(14), quando o pai da psicanálise humanista se refere à possibilidade de uma ação conjunta de teístas e não teístas contra as injustiças sociais e a favor da promoção da paz, do amor e do altruísmo. É possível perceber a mudança de postura de Fromm na década de 1960, uma mudança existencial do psicanalista em favor do diálogo com o outro, ao perceber que nesse encontro genuíno com a alteridade ocorre o aprimoramento de ambos os lados.

Ante o encontro de Fromm com essas três tradições místicas distintas, destacam-se os seguintes elementos como influenciadores do pensamento frommiano no seu aspecto humanístico: a ética do hassidismo; a meditação e a concentração do Zen budismo; e os conceitos de contemplação, de liberdade espiritual do homem e do encontro genuíno, estes últimos provenientes das três correntes místicas de feição cristã supramencionadas.

Assim, salvaguardando as peculiaridades e as singularidades de cada uma dessas influências religiosas, o psicanalista alemão elucida que o âmbito espiritual do humano deve, em síntese, ser constituído pela liberdade, pelo amor e pela capacidade de transcendência do ego. Fromm ainda esclarece que a vida espiritual produtiva do sujeito está intrinsecamente associada ao abandono de uma existência alienada de si mesma e do mundo que o cerca. A essência da saúde integral sublinhada pelo pai da psicanálise humanista entra em conflito com a Sociedade da Aquisição, que tenta transformar o indivíduo em um autômato, isto é, um ser desprovido de espírito(15), comparável à figura mítica judaica do Golem. Nesta perspectiva, o autor em foco sublinha que o termo espiritualidade pode ser entendido como uma filosofia de vida fundamentada em uma práxis ética. Essa ideia de espiritualidade, que Fromm (2013, p. 38) tentou sistematizar no final da sua vida é, de modo geral, a capacidade do sujeito para superar uma existência regida pelo egocentrismo e pela indiferença à vida.

Em uma de suas obras mais tardias, intitulada Rever Freud, Erich Fromm ressalta que, por muitos anos, procurou uma definição de espiritualidade e que a formulação mais pertinente e adequada, ao seu ver, advinha da escritora e ativista norte-americana Susan Sontag (1933-2004). Para esta autora, a noção de  espiritualidade referia-se a “[…] ‘planos, terminologias, ideias relacionadas a uma conduta que visa a resolver uma contradição estrutural penosa inerente à condição humana, à plena realização da consciência humana, à transcendência’” (Sontag, 1969 apud Fromm, 2013, p. 38), aspectos esses aos quais o próprio Fromm não hesitou em acrescentar, “no entanto, desejos apaixonados, antes de planos, terminologias, ideias” (FROMM, 2013, p. 38, grifos do autor).

De modo geral, de acordo com o psicanalista humanista, a ideia de espiritualidade integra o espectro de desejos e paixões humanas racionais, pois se referem a um modo específico pelo qual o sujeito visa responder a duas questões existenciais fundamentais (COTTA, 2020, p. 149). A primeira concerne à necessidade de estabelecer uma nova forma de harmonia com a natureza; e a segunda, está associada à atribuição do sentido da vida (FROMM, 2013, p. 39-40).

Todos os desejos e as paixões do homem, seja ele normal, neurótico ou psicótico, visam a reparar essa dicotomia imanente [estado de desarmonia com a natureza]: e como é vital para o homem en contrar uma solução, os desejos e paixões são investidos com todas as  energias disponíveis no ser (FROMM, 2013, p. 38).

No entanto, vale ressaltar a distinção que o psicanalista humanista em foco realiza quanto à concepção de paixões humanas. Fromm distingue as paixões humanas em paixões racionais e paixões irracionais, sublinhando que: “[…] as paixões que alimentam a expansão da vida devem ser consideradas racionais, porque incrementam o crescimento e o bem-estar do organismo; as paixões que estrangulam a vida devem ser consideradas irracionais, porque interferem no crescimento e no bem-estar” (FROMM, 1987, p. 354-355).

Para Fromm, é constitutivo da singularidade da situação humana não apenas o “saber-como” (know-how), mas também o “saber-porque” (know-why) e o “saber-para-que” (know-what-for). A questão é que, na visão frommiana, o homem contemporâneo aliena-se no domínio do saber-como, marcado pela inteligência compreendida como “a habilidade para manipular conceitos com o objetivo de conseguir algum fim prático” (FROMM, 1961, p. 171). Encastelando-se apenas nessa face da “situação humana” e alijando-se daquelas outras, o homem contemporâneo encontra-se conformado ao plano da resolução das coisas, ao domínio do fazer e do manipular, aceitando a sua realidade como um “fato consumado” e consumindo-se dela e nela, ao se lançar à sua manipulação (Fromm, 1961, p. 172). Agindo assim, ele relega às sombras do esquecimento outras necessidades que lhe são inerentes, a saber, a de se perguntar sobre o que há por detrás dessa realidade, por que as coisas são como são, e para onde é que elas vão. A pergunta pela causa e a pergunta pela finalidade são destituídas da sua importância e a primazia é concedida à pergunta pelo fazer, o “saber-como”. Agindo assim, nós, seres humanos, “renunciamos ao conhecimento dos problemas fundamentais da existência humana e a todo interesse por eles. Não nos importa o sentido da vida […]; partimos da convicção de que não há outra finalidade que não a de inverter a vida lucrativamente e passá-las em grandes contratempos” (FROMM, 1961, p. 176-177).

Mediante o uso da expressão “arte de viver”, Fromm (1961, p. 170-171) entende que, para o homem, como ser dotado de razão e não apenas de inteligência, a própria existência se lhe impõe como a mais bela obra de arte a que lhe cumpre lapidar. Compreendendo a situação existencial humana como intrinsecamente marcada não apenas pelo saber fazer (esfera da inteligência), mas também pelo questionamento relativo à causa ou às razões das suas ações, e ainda, pela pergunta sobre a finalidade (no sentido do termo grego telos) delas, o seu “para que”, o autor em foco considera que ao ser humano cumpre a tarefa de uma estetização do próprio existir, retomando e ressignificando, a seu modo, toda uma tradição ético-filosófica antiga.(16)

De modo análogo ao próprio gesto de pensamento frommiano que, aplicando a “ciência” (no sentido de conhecimento, saber) da “arte de viver” ao plano da ação humana, legou-nos a concepção de uma “ética humanista”,(17) transpomos o mesmo movimento teórico-conceitual, dirigindo-o, porém, à noção de “existência espiritual” humana, de modo a forjar a ideia de uma “espiritualidade humanista”, (18) o que se nos apresenta como plausível, pertinente e em conformidade às ideias do próprio Fromm, embora ele mesmo não tenha usado explicitamente tal conceito. Por espiritualidade humanista, entendemos, portanto, a própria aplicação do conhecimento ou da “ciência” relativa à “arte de viver” ao campo daquilo que Fromm denominou como a “existência espiritual” do homem. Cumpre sublinhar que a noção de espiritualidade humanista não possui um viés necessariamente religioso, de modo que as suas premissas estão  autadas na vivência altruísta, na reverência à vida – em prol da valorização da diversidade humana – e na harmonia com o todo. Trata-se, pois, de uma espiritualidade não necessariamente religiosa que se pauta pela autenticidade do modo de viver, por uma conduta biófila, pela concepção de unicidade com o todo e por uma inquietude quanto ao sofrimento do outro. Diante destas elucidações realizadas de forma sucinta, pode-se então afirmar que a noção de integralidade do indivíduo, assim como a ideia de espiritualidade humanista, estão relacionadas às necessidades existenciais do ser humano. De forma geral, essas necessidades existenciais são respostas criadas pelo homem no intuito de restabelecer a harmonia perdida com a natureza. Para o psicanalista alemão, caso essas necessidades não sejam atendidas, pode ocorrer o adoecimento do indivíduo.

Além disso, a abordagem psicanalítica humanista de Fromm sinaliza que o sentido da vida é um elemento essencial no que diz respeito à saúde integral do sujeito. Segundo o autor, a psicanálise humanista não deve se reduzir somente à cura de uma patologia psíquica, mas deve servir como um instrumento para o aprimoramento existencial do paciente. Para Fromm, a atribuição de um sentido à própria existência deve ser entendida como uma atitude essencial para a saúde e felicidade do homem. Numa palavra, trata-se de um movimento existencial que fortalece a harmonia do indivíduo humano com ele mesmo (self) e com o mundo que o cerca.

Desse modo, na esteira da perspectiva frommiana, a ideia de uma “espiritualidade humanista” pode ser entendida como uma ruptura do egocentrismo, isto é, ela visa o restabelecimento da harmonia consigo mesmo e com o mundo, um movimento altruísta que culmina no desabrochar de uma vivência biofílica. Neste contexto, a espiritualidade humanista adquire a sua dimensão ética, dada a ideia de que somente se o sujeito sair de sua bolha existencial poderá encontrar-se consigo mesmo e com o outro. A partir das considerações tratadas previamente, cabe-nos evidenciar, no próximo tópico, a possível relação a ser estabelecida entre as ideias de educação e de espiritualidade humanista, em uma convergência que visa promover o cultivo da sabedoria interior.

O cultivo da sabedoria interior: o encontro entre a espiritualidade humanista e a educação

A noção de sabedoria interior proveniente dos escritos de Erich Fromme na qual baseamos este estudo possui um sentido amplo, abarcando a totalidade humana. De modo sintético, a sabedoria interior está associada à capacidade do indivíduo de utilizar-se do pensamento produtivo pautado pela racionalidade e pelos conhecimentos adquiridos ao longo da vida– dimensão corpórea e psicossocial – em prol de uma autotransformação, que o conduza a uma forma aprimorada de experienciar a união com o mundo (FROMM, 1976, p. 102-104). Ainda segundo a perspectiva frommiana, a sabedoria interior não diz respeito à posse do conhecimento, mas a uma profundar-se nele com despojamento e autenticidade de tal forma que ocorra a encarnação do saber (FROMM, 1984b, p. 40).

Neste contexto, vale mencionara ideia de autotransformação oriunda da sabedoria, que é expressa de maneira poética pelo filósofo Bertrand Russel (1872-1970) em sua obra Misticismo e lógica, da qual Fromm destaca o seguinte fragmento:

[…] Salvo por aqueles raros espíritos que nascem sem pecado, existe uma caverna de escuridão a ser atravessada antes que se possa penetrar no templo. O portão da caverna é o desespero, e seu piso é recoberto pelas lápides das esperanças abandonadas. Ali deve morrer o Eu; ali devem ser imoladas a voracidade e a ambição do desejo indomado, pois só assim poderá a alma libertar-se do império do Destino. Fora da caverna, porém, o Portão da Renúncia, conduz novamente à luz da sabedoria, de cujo brilho se irradiam uma nova compreensão, uma nova alegria e uma nova ternura para alegrar o coração do peregrino (RUSSEL, 1910 apud FROMM, 1984b, p. 50-51) [Grifos nossos].

O trecho supramencionado nos adverte, segundo a interpretação que Fromm dele faz, que a busca pela sabedoria interior é um  ovimento de esvaziamento de si mesmo (do ego), que promove no sujeito um novo modo de ser e de estar no mundo. Na concepção frommiana, o início do processo de autotransformação é potencializado através da “[…] receptividade para receber” (FROMM, 1976, p. 111).

De acordo com Fromm (1974, p. 177), o ato de educar significa auxiliar o outro a expressar as suas potencialidades. Por esta razão é que a educação também exige o atributo da fé(19), aqui entendida não como fé religiosa, mas como um acreditar no outro no sentido do que ele pode vir a manifestar ou a se tornar na sua própria existência. Segundo a terminologia aristotélica de que Fromm se apropria, trata-se, pois, de passar do ser em potência (dýnamis) ao ser em ato (enérgeia), ou seja, da aptidão ou capacidade para o que se pode vir a ser no tempo à realização ou atualização da sua forma própria, a qual o indivíduo continha até então apenas em potencialidade. Nos termos do autor,

a origem da palavra educação é e-ducere, que literalmente quer dizer “trazer para fora” ou expressa algo que está presente  potencialmente. Nesse sentido, educação resulta em existência, que significa sobressair, emergir do estado potencial para o de realidade manifesta (FROMM, 1974, p. 177) [grifo do autor].

O fragmento sinaliza a importância do atributo da fé nas potencialidades do educando. É preciso, pois, que o professor acredite que os alunos – cada qual com a sua singularidade e tempo de aprendizagem próprios – são seres em transformação, porém capazes de instaurar a diferença em sua família e em sua comunidade. Uma educação humanista também é caracterizada por uma metodologia de conscientização, que abarca as diversas contingências e problemáticas existenciais contemporâneas, entre elas: a vulnerabilidade social, o adoecimento psicológico, o culto à destrutividade, dentre outros temas que estimulem o engajamento dos discentes.

Segundo o psicanalista alemão, o contexto educacional torna-se mais produtivo e humanizado quando ocorre uma mudança pedagógica que compreende o ser do educando em sua integralidade, priorizando o desabrochar da biofilia e o do modo Ser de existência. Como nos pontua o psicanalista humanista Rainer Funk, uma educação pautada pelo modo Ser “[…] terá um efeito energizador: ela faz afluir no educando força e energia que o levam a uma vivência de plenitude da vida, o faz transbordar e aumenta sua necessidade de se comunicar e de compartilhar” (FUNK, 2011, p. 100).

Diante destas colocações, entendemos que a aplicabilidade do conceito de espiritualidade humanista no âmbito educacional é capaz de aprimorar as relações interpessoais entre os envolvidos, além de fortalecer o vigor e a harmonia interior. De acordo com Fromm (1981, p. 55), pelo fato de estarem interligados ao estado da alma do indivíduo, o vigor e a harmonia interior são responsáveis pela nossa condição emocional, que reverbera, por sua vez, no modo como nos relacionamos com o mundo. Essa afirmação nos direciona a um dos pilares do cultivo da sabedoria interior, a saber: a utilização do conhecimento adquirido em prol de uma vivência imbuída de sensibilidade e de respeito à alteridade.

A valorização da alteridade e o exercício da sensibilidade são elementos fundamentais para a ruptura de comportamentos destrutivos, problemática recorrente nas instituições de ensino em nosso país. A violência escolar, seja ela explícita ou implícita, é alvo de grande preocupação, pois ela afeta não só os envolvidos, mas toda a comunidade. Infelizmente, a propagação da violência no âmbito escolar tem se tornado um grande desafio tanto para os educadores como para a sociedade em geral. Ataques violentos no contexto educacional, como o chamado Massacre de Columbine, ocorrido nos Estados Unidos no ano de 1999, e outros tantos casos similares no Brasil, a exemplo do Caso Realengo (2011) e do ataque à Escola Estadual Raul Brasil (2019), são exemplos que denotam o mais alto nível de destrutividade perpetrado em espaços dedicados à formação intelectual (SOUZA, 2019).

A destrutividade é um dos reflexos da perda da sensibilidade para com a vida, levando a pessoa a uma espiral de deterioração que, em graus elevados – como aqueles vistos nos exemplos dos ataques escolares –, desencadeia ideações homicidas e/ou suicidas (FROMM, 1981, p. 123-124). De acordo como pensamento frommiano, quando uma pessoa perde a sua sensibilidade, ela torna-se um autômato, um ser desprovido de espírito, incapaz de amar genuinamente. Por esta razão, a inserção de disciplinas que sejam direcionadas ao cultivo da sensibilidade, do amor à vida e da compaixão, por exemplo, torna-se indispensável para o combate à destrutividade no meio educacional, em seus variados níveis de instrução.

O desenvolvimento da sabedoria interior não deve ser confundido como uma intervenção religiosa, mas como uma ferramenta pedagógica que visa o aprimoramento da dimensão espiritual do ser educando, estimulando o despertar de seus atributos internos mais profundos. A sensibilidade, o respeito à alteridade e o amor à vida são atributos que podem ser desenvolvidos, nos possibilitando sair da ilha que criamos para nós mesmos. Todavia, se desejamos um genuíno desenvolvimento da esfera espiritual dos educandos, é preciso que essa práxis educacional seja consolidada pela corporificação das palavras pelo exemplo. Isto significa que

[…] as ideias só têm realmente um efeito sobre o homem quando são vividas por aquele que as ensina, quando são personificadas pelo professor, quando a ideia aparece encarnada. Se uma pessoa expressa a ideia de humildade e é humilde, aqueles que o escutam compreenderão o que é a humildade. Não apenas compreenderão, como também acreditarão que ele está falando de uma realidade e não apenas proferindo palavras (FROMM, 1984b, p. 40).

Em última análise, a encarnação do saber expressa-se pela forma como o mestre se relaciona com os seus alunos e com as demais esferas da vida. As ações do mestre falarão mais sobre ele do que os seus próprios discursos, e isso fará toda a diferença no aprendizado daqueles que se dispõem a cultivar a sabedoria interior.

Conclusão

Refletir sobre a educação não é uma tarefa fácil, pois o próprio ato de ensinar demanda uma série de atributos. Segundo Fromm (1984a, p. 125), a educação humanista é aquela que visa exercitar a dimensão reflexiva dos educandos, promovendo a interação e a participação dos mesmos. De acordo com o autor em foco, o  processo de ensino deve fazer sentido para aqueles que buscam o conhecimento. Além disso, a educação humanizadora possui como principais fundamentos o amor, a fé e a humildade. Esses fundamentos são indispensáveis para aqueles que desejam cultivar a sabedoria interior, que em termos gerais se refere à aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos em prol de uma vivência mais saudável e harmoniosa com o mundo.

Consoante o pensamento de Fromm (1981, p. 103-104), o desenvolvimento da personalidade biófila – orientada pelo amor à vida – ocorre mediante a percepção de que estamos todos conectados, isto é, de que todos nós compartilhamos das mazelas e das alegrias da vida e de que as nossas atitudes reverberam no outro. Dito de outra forma, o entendimento da nossa conexão com o mundo é fundamental para que ocorra uma ressignificação existencial, cujo fruto será a instauração de relacionamentos intersubjetivos mais saudáveis.

Para Fromm, educar é um ato de amor e de fé nas potencialidades do educando, um ser que possui necessidades e potencialidades existenciais e que deve ser entendido na sua totalidade antropológico-existencial. Assim, o ato de educar também é permeado por um gesto de esperança, ou seja, por um depositar a nossa fé racional na transformação do ser do educando. Guiado por este fim, o processo educacional deve se pautar em uma educação integral e humanizadora, que permita ao educando desenvolver as aptidões arraigadas no âmago de seu ser, inclusive as que concernem à sua “existência espiritual”. Daí que, no nosso entendimento, torna-se possível falar, tal como consideramos ter mostrado ao longo deste trabalho, associar a ideia de uma “espiritualidade humanista” à educação.

Tal como compreendida neste ensaio, a espiritualidade humanista só adquire sentido se for direcionada para uma conduta ética que permita ao indivíduo se libertar da prisão do egocentrismo e de uma vivência inautêntica. A espiritualidade humanista é, antes de tudo, uma ressignificação existencial, que se inicia no interior do indivíduo e que se manifesta no mundo exterior, através da harmonia e da alegria de viver.

O cultivo da sabedoria interior, enquanto gesto de aplicabilidade da espiritualidade humanista no contexto educacional, não deve ser entendido como uma resposta última para o problema da destrutividade escolar, mas como uma ferramenta pedagógica que pode auxiliar na difusão do amor à vida, na valorização da diversidade sociocultural (étnica, religiosa e de gênero) e na promoção da cultura da paz. Em última análise, o cultivo da sabedoria interior visa à autotransformação do ser educando, transformação essa que promove o desenvolvimento de sua consciência biófila e que o impele a se tonar inquieto frente ao sofrimento do outro.

Referências

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1 Este artigo foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à qual agradecemos.
2 É aí que Fromm se distancia da visão freudiana de ser humano, que sublinha o aspecto biológico na formação do caráter. Afastando-se dessa concepção, Fromm divergiu para uma orientação que ele próprio nomeou de sociobiológica, mas que ficou conhecida como pertencente à escola neofreudiana culturalista. Sobre tal divergência, ver Fromm (1992a, p. 17-27). Algumas razões de ordem pessoal para essa discordância também podem ser encontradas na entrevista que Fromm concedeu a Gérard D. Khoury em dezembro de 1978 e no início de 1979, em Locarno (Fromm, 1979) e na entrevista concedida a Richard I. Evans, presente no capítulo 3 da obra Diálogo com Erich Fromm (Evans, 1967).
3 O termo psicossomático, na expressão mais comum, pode reportar-se tanto ao quesito da origem psicológica de determinadas doenças orgânicas, quanto às repercussõesafetivas do estado de doença física no indivíduo, como até confundir-se com simulação e hipocondria, onde toma um sentido negativo. (Cardoso, 1995 apud Cerchiari, 2000).
4 Vale sublinhar que Erich Fromm praticou a arte milenar chinesa do Tai chi chuan, que em poucas palavras pode ser descrita como uma forma de meditação em movimento (Fromm, 1992b).
5 Para um aprofundamento da noção de caráter, associada aos processos de socialização e assimilação, e para os conceitos de temperamento e personalidade no pensamento de Erich Fromm, ver Cotta (2020, p. 88-102).
6 Na teoria frommiana, a biofilia e a necrofilia referem-se às tendências existenciais produtivas e improdutivas da personalidade humana, respectivamente.Vale mencionar que todas as pessoas são detentoras das duas tendências em seu âmago.Todavia, a diferenciação entre o indivíduo considerado biófilo ou necrófilo ocorre quando uma tendência se sobressai à outra, moldando assim a conduta do sujeito (Fromm, 1981).De fato, é nesta polaridade que Fromm (1970, p. 40, nota 1) julga encontrar o cerne da hipótese freudiana acerca da existência de um instinto de vida e um de morte. De Freud ele se distancia, entretanto, ao considerar que a tendência progressiva seja mais forte do que a regressiva, aumentando em força à medida que é desenvolvida.
7 Cabe mencionar que a dimensão espiritual do indivíduo é compreendida, no viés psicanalítico humanista, como um âmbito antropológico indissociável da totalidade do ser. Esta esfera também se encontra diretamente associada à necessidade existencial de um quadro de orientação e de um objeto de devoção (Fromm, 2013).

8 A OMS apresentou dados alarmantes sobre o suicídio em nível global em seu último levantamento no ano de 2019. Segundo os referidos dados, a cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo.
9 O psicanalista frommiano Rainer Funk sublinha que, em meados da década de 1960, Fromm e Freire se encontraram pessoalmente em um simpósio sobre educação no México, evento que foi organizado por Ivan Illich. O contato amistoso entre o psicanalista e o educador brasileiro se manteve posteriormente, por meio da troca de cartas entre ambos (Funk, 1999, p. 138).
10 Fromm compreende o amor não como sinônimo de afeto ou de sentimento, mas como uma atividade interna. Definindo o amor “atividade de um sujeito”, ele distingue a perfeição (do grego, enérgeia: força em ação ou em ato) inerente ao amor ante a passividade com que geralmente o amor é compreendido. Neste sentido, o amor é sobretudo práxis, isto é, uma atividade propriamente humana e que conduz à atualização ou realização da humanidade em cada um de nós. A brevidade requerida por estas páginas não nos possibilita aprofundar aqui a noção frommiana de amor, trabalhada sobretudo em A arte de amar (Fromm, 1971). Para um comentário acerca de tal concepção, ver o nosso estudo: Cotta; Campos (2020, p. 63-89).
11 As datas entre colchetes indicam a data de publicação original das obras.
12 Com isso, não se está a sugerir nem a afirmar que Fromm espose o fundamento teológico da mística eckhartiana,segundo o qual o homem é conduzido a atender o desejo divino, que é o de ver o homem liberto do próprio Deus, para que assim, e só assim, ele possa perder-se na infinidadetranscendente, tornando-se um com ela. O aspecto que salta aos olhos de Fromm e que por ele é retido, embora ressignificado à luz da sua perspectiva psicanalítica humanística, e que a brevidade destas páginas não nos permite aprofundar, é o fato de que a ausência de vontade próprio, no contexto da mística eckhartiana, torna a pessoa livre não apenas de práticas exteriores de piedade, mas também da imagem de Deus que a alma humana edifica, ao entendê-lo como princípio das criaturas. É o despojamento dessa “imagem” ou símbolo que interessará sobremaneira a Fromm.
13 A última carta enviada por Merton para Fromm possui a data de 13 de outubro de 1966 (Merton; Shannon, 1993).
14 A obra O espírito de liberdade (You shall be as gods), foi publicada originalmente em 1966 nos EUA. Nesse período, Fromm e Merton dialogaram sobre as premissas básicas que constituem uma experiência religiosa. A noção de experiência religiosa faz parte do subtítulo do livro The hidden ground of love: the letters of Thomas Merton on religious experience and social concerns.Essa obra apresenta as correspondências trocadas entre Merton e Fromm. (MERTON; SHANNON, 1993).
15 Cabe ressaltar que, na ótica frommiana, a noção de espírito humano não se refere a uma ideia metafísica no sentido de vida após a morte, mas reflete uma esferaantropológica de abertura ao semelhante, à natureza em toda a sua diversidade.
16 Sobre o conceito frommiano de “arte”, que também é associado ao tema do amor, ver o nosso estudo: Cotta; Campos (2020, p. 72-74).
17 A propósito deste gesto de pensamento e de suas implicações para a psicanálise, ver Fromm (1974, p. 18-41).
18 Deve-se esclarecer que a noção de espiritualidade humanista não foi utilizada por Erich Fromm em nenhuma de suas obras. Todavia, a empregabilidade da referida expressão neste manuscrito está baseada na cosmovisão frommiana, que compreende a espiritualidade como um movimento de transcendência, que visa a ruptura com o egocentrismo, o restabelecimento da harmonia existencial, a liberdade interior e a busca pelo sentido da vida.
19 No viés psicanalítico humanista, o atributo da fé é compreendido como um traço de caráter, e não como um dom divino. Assim, por ser entendida como um aspecto da constituição caracterológica do indivíduo, a fé pode ser desenvolvida e aprimorada no decorrer da vida.

Recebido em 17/01/2022
Aceito para publicação em 11/04/2022

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